domingo, 24 de janeiro de 2016

Copyright na Europa: Reforma mínima que não toca questões centrais

Texto da La Quadrature du Net *  sobre o estado dos direitos de autor na Europa. 

*(associação francesa de protecção dos direitos e liberdades na internet)
Traduzido do original por Anonymous Portugal.

Paris, 9 de Dezembro de 2015
Hoje, a Comissão Europeia apresentou a sua proposta para a reforma da lei de direitos de copyright da União Europeia. Este pacote inclui a proposta de regularização para a portabilidade de serviços online, bem como um comunicado a anunciar as futuras reformas para 2016. A Comissão Europeia confirmou que não tenciona reabrir o debate sobre a directiva InfoSoc(1), o que reflecte a falta de vontade e ambição nesta materia.

Após a aprovação do Relatório Reda no dia 9 de Julho, a Comissão Europeia apresentou a sua estratégia para a reforma da lei de direitos de autor, a fim de actualizar a directiva de 2001 face às práticas digitais atuais. No entanto, em vez de reavaliar a directiva como um todo introduzindo medidas positivas para harmonizar direitos de autor e usos actuais da tecnologia, a Comissão aplicou reformas menores, evitando assim um debate difícil mas necessário sobre sistema atual como um todo e a sua evolução.

Uma primeira lei foi publicada. É uma proposta de regulamento sobre a portabilidade de serviços on-line. Este breve texto vai na direcção certa, destinando-se a permitir que os cidadãos acedam a conteúdos on-line disponíveis legalmente no seu país de origem (através de assinatura ou vídeo-on-demand, por exemplo) quando viajam dentro da União Europeia. No entanto, esta proposta - que corrige simplesmente uma aberração - carece completamente de ambição e não fornece qualquer resposta às verdadeiras questões relacionadas com dificuldade no acesso a conteúdos. Ela evita cuidadosamente a abertura do debate sobre os méritos de várias medidas tecnológicas de proteção (como geo-blocking, sistemas de gestão de direitos digitais - DRM [Digital Rights Management], etc.).

O segundo texto apresentado pela Comissão Europeia é um roteiro de estratégias futuras, incluindo, nomeadamente, o desejo de clarificar e harmonizar o regime de exceções aos direitos de autor:
  • Implementar o Tratado de Marraquexe, que visa facilitar o acesso a obras publicadas para pessoas com deficiência visual; 
  • Facilitar o trabalho de investigação, autorizando estudos estatísticos (text and data mining) sobre trabalhos publicados sem ter que pedir autorização prévia ou pagar por direitos de autor; 
  • Estabelecer uma exceção de copyright para ilustrações usadas em contextos educacionais;
  •  Clarificar as regras sobre a "liberdade de panorama", uma questão que levantou um acalorado debate durante todo o processo de adopção do Relatório Reda, e que certamente irá atrair uma forte oposição, especialmente por parte da França. 
Nós podemos saudar a Comissão por continuar a incluir exceções ao direito de autor na agenda política, apesar da violenta contestação por parte de detentores de direitos de autor durante o debate sobre o relatório Reda. No entanto, essas propostas continuam a ser pobres em comparação com a resolução aprovada em Julho pelo Parlamento Europeu, em que a Comissão foi convidada a agir em uma ampla gama de assuntos (e.g. domínio público, livros digitais em bibliotecas).

A Comissão Europeia também sugeriu taxas de utilização para cópias privadas. Ainda mais preocupante, a Comissão parece disposta a propor medidas agressivas para proteger os direitos de autor. Em primeiro lugar, sugere levar em conta a consulta em curso sobre plataformas, a fim de estabelecer o seu grau de responsabilidade. Em comunicado, a Comissão dirigiu-se especificamente a agregadores de hiperligações, que disponibilizam publicamente excertos dos seus conteúdos [e.g. Google News]. Isto exige uma redefinição dos conceitos de "comunicação pública" e "disponibilizar públicamente". Essas medidas deverão limitar ou imobilizar algumas plataformas de agregar conteúdo sem pagar pelos direitos de autor, o que reduziria imenso o acesso à cultura e ao conhecimento na União Europeia. Além disso, o Comissário Oettinger já teria especificado que não é sobre o estabelecimento de um "imposto de hiperligações", mas o futuro de hiperligações permanece, no entanto, incerto.
Finalmente, esta tendência repressiva também afeta a partilha ilegal de material com direitos de autor, em particular através das seguintes medidas:
  • Mecanismo baseado em "seguir o dinheiro" que força o envolvimento de todos os atores, em especial os agentes financeiros, com o objetivo de "apertar" as receitas de sites fornecendo excertos publicamente disponiveis sem respeitar os direitos de autor. A abordagem é vista como uma lógica de auto-regulação, em geral operando através de acordos privados entre governos, intervenientes financeiros e fornecedores de serviços de alojamento, sem ir a julgamento. Além da ineficácia de tais medidas decorrente da facilidade de serem burladas, é lamentável que os tribunais sejam novamente contornados, sacrificando a liberdade de expressão e restringindo um pouco mais o acesso à cultura.
  • Mecanismos baseados em "notificar e derrubar"[notice and take down] e "derrubar e ficar em baixo" [take down and stay down]. Estes dois mecanismos visam tornar os serviços de alojamento responsáveis pela prevenção da violação de direitos de autor, quer através da eliminação direta dos conteúdos sujeitos a direitos de autor após a notificação, ou colocando sobre serviços de alojamento um dever de controlo preventivo, a fim de evitar o upload de conteúdo protegido por direitos de autor.
Na época em que o relatório Reda foi publicado, destacámos que, apesar da sua abordagem interessante, o relatório poderia ter ido mais longe nas propostas para o reconhecimento de novos direitos culturais, incluindo a legalização da partilha não mercantil de obras culturais entre indivíduos. Agora, a Comissão Europeia mostra descaradamente a sua vontade de legislar com pequenos e dispersos passos, sem abordar a rigidez e ineficiência do sistema atual. As medidas repressivas estão em linha com o que a La Quadrature vem denunciando há meses: a responsabilização dos intermediários e a exclusão dos tribunais, que são muitas vezes capazes de garantir a liberdade de expressão. É urgente rever todas estas propostas para melhor adaptar a legislação aos usos actuais e parar de dar às empresas mais poder sobre as nossas liberdades civis.

1. A diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Maio de 2001, em relação à harmonização de certos aspetos dos direitos de autor e associados na sociedade da informação.
  

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