« Sensivelmente cinquenta anos após o
seu suicídio e um século do seu nascimento há quem, no Reino
Unido, se tenha lembrado que é chegada a hora de repor justiça para
Alan Turing. Para os que desconhecem os pormenores da história
conte-se que Turing foi acusado e julgado por “indecência”, um
tropo para homossexualidade que, que nos idos de 1952, era
comportamento considerado ilegal no seu país natal. Mais que a
vergonha social a que foi submetido (continuamos a referir-nos à
época dos factos) Turing acabou condenado a castração química por
hormonas, o que decerto concorreu para que tenha terminado com a vida
em 1954, através da ingestão de cianeto.
Acontece que este homem, que
estoicamente suportou tribunal e juiz, tinha um segredo bem guardado:
Turing chefiara o Hut 8 que, em Bletchey Park, foi responsável por
quebrar a mais resiliente cifra alemã, o Enigma. Usado pela marinha
e pelos seus U-Boats, os pequenos submarinos que colocaram o
Atlântico Norte a ferro e fogo e definiram a supremacia nazi durante
os primeiros anos de guerra, só a sua decifração permitiu inverter
a referida superioridade alemã e restabelecer a fundamental ligação
entre América e Europa. Sendo verdade que Turing não ganhou a
guerra isoladamente – isso seria uma afronta à memória dos tantos
que aí deram as suas vidas – são poucos os que não reconhecem
que os seus feitos lhe diminuíram a duração em dois ou três anos.
Ora dois ou três anos de guerra são muitas vidas; Turing salvou um
número incontável de vidas! Foi este homem que se sentou no banco
dos réus e foi tratado com um pária pela sociedade que em muito lhe
devia a liberdade de ter tribunais. Em silêncio, porque a história
de Bletchey Park estava protegida pelo segredo de guerra e só veio a
público já nos anos setenta.Alan Turing foi um dos mais brilhantes matemáticos de sempre e a nossa dívida para com ele ultrapassa largamente o facto de não andarmos todos de braço estendido e a bater os calcanhares. As placas comemorativas que assinalam as casas onde viveu, em Manchester e Londres, chamam-lhe “pai das ciências de computação” e com todo o direito: a ele devemos os primeiros postulados sobre a inteligência artificial e, sobretudo, a descrição teórica do computador digital, em 1936, a que Turing chamou “a-machine” (“automatic machine”) que nos meios académicos ficou conhecida por “Turing machine”. Sabe-se que já no século XIX Babagge havia construído um computador. Porém, entre o computador de válvulas e o computador digital as semelhanças são tão ténues quanto as que encontramos entre uma carroça puxada por cavalos e um automóvel. Sem Turing, não sei quantos anos teria de esperar para poder escrever este texto no teclado.
A cibercultura dos anos noventa trouxe à linha de água vários pensadores que tinham, por razões diversas, sido votados ao esquecimento, nomeadamente Marshall McLuhan e Timothy Leary.
Depois das desculpas oficiais do governo de Gordon Brown (2009), se a Casa dos Lordes agora impugna ou não a sentença de Alan Turing é indiderente para o próprio – como Mark Twain explicou na sua autobiografia, para um morto pouco importa o que os outros pensam dele. Mas não será indiferente para os vivos e os que ainda estão para vir mesmo que hoje no Ocidente o seu crime já não o seja: a história precisa reconhecer Alan Turing como o seu geek maximus.»
Crónica intitulada “Em memória de
Alan Turing” do Dr. Bakali, em revista Blitz nº 87
Uma vez que esta revista mensal ainda
se encontra em circulação no mercado, qualquer oposição a que
este artigo esteja aqui publicado, é só comunicar.
No entanto,
achámos o texto tão bem conseguido e o seu conteúdo tão
importante como mensagem a divulgar, que decidimos partilhar!
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